quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Enternecimento

As vibrações eternizadas no círculo, numa roda feita de gente-ciranda,
É verossímil que quem ali dançara eram suas crianças; e afastadas da terra,
Faziam redemoinhos nos recônditos profundos do corpo.
Possuí-me de intuições das mulheres insanas
A comoção dos panos de Maria Madalena na esfera líquida duma multidão agitada em círculos
Cerrar as pálpebras pra sentir amor com os pés, porque o chão era um oceano e dançávamos para não submergir e atingir criaturas abissais.
O não-lugar tem por idiossincrasia; fantasmas, convulsões, êxtase.
Os sinais se costuram e estando ainda mais hesitante vi que os retalhos costurados, eram filhos reles do lençol supremo, a atmosfera.  
A música despertou-me. Não sei se quem dançava era eu ou era o outro que segurava minhas mãos e não me deixava afogar naquele oceano imenso de terra. Estas mãos me guiam.
As mulheres negras daquele terreiro, quantas cicatrizes da história delas me habitavam?
Me vi toda reminiscente dos olhos e dos cant(ares) do não-lugar mais preciso e extraordinário. Improprio para brancos contaminados de hostilidades e inerente-singular aos que rasgam seu peito e vestem-se estando nus. Quando dançar no oceano de terra, fique nu. É necessário estar puro e arremessar as vilezas que a fatídica existência cotidiana impõe.
No princípio era a música. Anéis, se formaram e explodiram. A ciranda era o anel, a roda, a barriga da mãe um círculo. Os seres explodem como explodiu o universo.
Big bang!
E posteriormente?
As pedras me ouviam.
Como seria ter brilhado como um índio?
Existido índio? Se o tivessem permitido viver?
A ciência do concreto dilata meus sentidos e sei sentir a terra consumar meus pés nas cores vivas dum acasalamento. Sentir! Eu sei que as árvores gritavam e que a água, a água, é nossa!
Nós, feitos para combinar com a natureza. Vivendo a morte a todo instante dos que não percebem os pássaros. Falidos de sensibilidade! Joguem-se ao precipício e atentem-se a voar!
Porque tem medo de voar, a humanidade ambiciona cortar asas.
Voltemos ao primitivo, sequer praticamos sair das cavernas.
Circular a fogueira para que faíscas nos dê espírito.


Significar os símbolos, (re)significar a existência. Vibremos! Explodir é apoiar a cabeça do irmão no peito e chover com ele. É deitar sob as pedras, nu. Fitar constelações e identificar Órion. É o laço de um beijo inusitado na testa. Dar as mãos na nebulosidade dos porões. É não ter luz, sangrar e expelir palavra-poema-sons nos labirintos do ouvido. Explodir!

segunda-feira, 5 de maio de 2014

à Caim

Se dos lábios furiosos de deus houvesse soado flores;
não pousaria sob a terra a massa humana que desola
nem se derramariam no sangue da bomba que ensurdece.
As línguas salivariam do perfume de nós primavera
o desequilíbrio indicaria pés descalços ao vento 
sem que temêssemos cair.
Se soprasse da ira de deus, flores
não seríamos arquétipo de coisas vis
nem milhões de línguas exterminadas
O nosso canto seria uno 
na roda afiada do universo.
Quando deus soar no seu sopro, flores
este antigo primitivo não repetirá 
a tortura da carne
repetirá a trança 
nos fios unos da existência
na forma de um espiral em busca das rosas.
As flores são o conceito pleno do éden
a essência do suor que deixamos lá atrás.
As flores se ausentaram no coração do deus petrificado
mas na minha forma de deus
as flores
moram em suas asas de pássaro-livre
o éden não foi proibido
o povo não foi expulso
e desabrochou-se
nos botões de cor da aurora

é deste sopro que necessito.





segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Por um temperamento instável

O temperamento oscila como oscila o temperamento natural de tudo,
Paradoxal e disso não fujo, não corro, nem lamento,
Devo concordar que a certeza enlouquece, a dúvida não
Embora esteja frequentemente inclinada à traços marcados de loucura,
Quem sabe uma tatuagem riscando o contorno das veias
As veias contornando a lucidez mais estúpida de meu estereótipo
Porque me é externo e não há loucura na cara que apresento
Há expressões dissimuladas me tornando mais uma vez o outro que me segue
Sempre fui dois, três, quatro, cinco: múltiplo
Quando falei da loucura mencionei não haver loucura no que me é externo e dissimulado
Porque a loucura não está no contorno da tinta, ela está dentro: na veia
Ora pulsante, ora quase falecendo, esmaecida e tépida
Ouço um disco que configura meus sentidos e acarinha aquilo que quer gritar
Imaginemos a música como um velho e aquilo que quer gritar como uma criança
O velho coloca a criança no colo e a balança
Como se pendurasse uma rede no céu
Pulsionamos e nos balançamos
Talvez, eu não queira uma resposta
Porque a resposta ausenta o mistério da dúvida
Talvez, eu, que não detenho verdade alguma
Queira tão somente me balançar

sexta-feira, 29 de março de 2013

'almofada da música'


Uma vez nos diferentes necessários, pus-me a refletir que dentre estes necessários; o timbre era prelúdio do sopro; estimo que a música desnuda com tintas as angústias do meu humano áspero; colhe, sobrepõe e retorna com o mundo num haste. Sopro musical; que funde o eco às lãs violáceas do ouvido, vaza pelos poros a cura dessa linha tênue; sinto-a tal qual beija-flor rodopiando as asas na atmosfera da minha pálpebra; cultuo os acordes viscerais do silêncio, há nesse repouso o movimento tenro que sonda o coração. 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Zadi


O estereotipado esteroide anabolizante:
Não deturpa o suspensório, a tinta colorida que veste os panos, nem os coturnos amarrados do pé ao tornozelo.
Não há bioquímica que extermine o perfume poético da calçada que segurou o corpo, nem há reação de testosterona sob testosterona que impulsione a força do hormônio e atrofie a força estimulante da possível pacificidade do amor, ou da pena?
O que existe na cabeça do imbecil incapacitado de sensibilidade é um neurônio canceroso.

(MAR) Cella I



Lembro quando os cílios voavam fugazes em busca dum ruído que fosse; não fui dispersa como das outras vezes, eu atendi ao movimento acolhedor do olhar doce que me girava. Um sopro, uma vibração me pôs curvo no pedaço rachado de terra que há pouco nos limitava. Olhamo-nos como quem brincou de pular corda, rebuscando a memória deparei-me em algum sentido manso, no assalto tenro da agitação daquela lembrança. Eu quis dar tantos nomes, mas, uma sílaba sequer escapava da poesia sem nome que nos abraçou. É possível que enquanto a música continuasse a tocar, o silêncio do instante perpetuasse uníssono naquele conjunto sonoro. Um botão vermelho! O grito veloz da cor colhia a volúpia que clareava os olhos: respirava o sopro perdido no vento e moldava num atropelo de sensações a plenitude em cima de mim. Foi a primeira vez que pensei anjos vestidos de vermelho. Volto todos os dias pra casa pensando a missão cumprida: uma soma de verbos, de abraço, de amor. Eu a vejo viva; misturando o intercurso da claridade, cuja luz fortalece a paisagem do verso que compomos. Não há escuridão perto de ti, os contrários são instantes que muitas vezes beijam o solo de qualquer ameaça de desunião. É em ti que convalesço na minha imaginação o aceno que nunca se despede. O que devo te desejar, quando há contundência demais em ti? Desejo o sopro que ergueu meus cílios à primeira vista, Uma “Fábrica de Poemas” um “Conto de Fraldas” um devaneio num passeio cubano. O tempo. 

(MAR) Cella II


A tempestade cinza do embaraço dos pensamentos procriava o pedido que guardava o fogo: o isqueiro; desenvolvia o nascimento dum instante que já deixava de ser tempo presente para emaranhar-se na concepção futura da dança lacrada à carne febril. Havia uma possibilidade (escassa) de duas existências dissiparem, mas somente se houvessem lacunas que não sustentassem o peso leve concebido pelo par de passos que cercavam aquele chão: mórbido de mesquinhes. Não é inimaginável acreditar redemoinhos líricos atirando-se por sobre outros que assistiam. O que os olhos assistiam dormia, o que víamos acordava. Disparidade íntima do elemento fogo, que rege fênix sagitarianas a escorpiões de água. Água, da sua abundância de vida, é capaz de controlar a soberania e autoridade astuciosa do fogo.  Não há ceticismo, nem ideal que seja instruído ou apto a amputar a subliminaridade de nós.